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Histórica e acolhedora:
não há nada como a praça General Osório.

“Rio, logo existo”,
“Rio é Rua”, “Só Alegria”, “Seja Marginal, Seja Herói”. São inúmeros os cartazes, poemas, rimas, marchinhas de carnaval e palavras de ordem proferidas na praça General Osório, em Ipanema, cenário de grandes encontros e ideias que transcendem a própria cidade.

A cinco minutos da praia de Ipanema, desde sempre frequentada por artistas e intelectuais, no bairro homônimo, boêmio e vanguardista da zona sul do Rio de Janeiro; é ladeada pelas ruas Visconde de Pirajá, Teixeira de Melo, Jangadeiros e Prudente de Morais – hoje cheias de bares, restaurantes e prestadores de serviços.

Foi criada em 1894 pelo Barão de Ipanema, que loteou o bairro e deu a ele sua nobre alcunha. É certo que o nome da praça – que homenageia o marechal que liderou a guerra do Paraguai – não combina muito com seu aspecto transgressor, mas o espaço foi e continua sendo palco de importantes acontecimentos, como o surgimento da Banda de Ipanema em plena ditadura militar, o happening Bandeiras, em 1968 – um encontro político de artistas, onde Hélio Oiticica expôs pela primeira vez a icônica bandeira “Seja marginal, seja herói”, que virou símbolo da cultura marginal; e a feira hippie, que há mais de 50 anos promove a exposição de trabalhos de artistas de diversos segmentos.

Lá também fica o chafariz das Saracuras, esculpido em 1795 por Mestre Valentim, um dos principais artistas do Brasil colônia. Em 2009 a inauguração da estação de metrô General Osório trouxe mais acesso à praça, que foi revitalizada em agosto de 2022, com atrações para todas as idades. A partir de então, um novo jargão começou a ser entoado por ali: “Viva a praça viva!”

Giro na Praça

Idealizada pelo estúdio CRUA com realização do SESC Rio, Giro na Praça é uma plataforma multimídia que propõe um mergulho do visitante nas histórias e memórias da Praça Gal. Osório através dos personagens que a compõem. Das lembranças do fundador da Banda de Ipanema às aulas de ginástica ao ar livre; da arte barroca do Mestre Valentim à revitalização que reativou o chafariz criado por ele há mais de 200 anos, as narrativas se entrelaçam e se complementam em retratos, audioguias, imagens de arquivo e tecnologia 360º. Um passeio que nos permite conhecer e reviver os acontecimentos deste espaço icônico da cidade do Rio de Janeiro.

Durante a produção do Giro na Praça, foi realizado o LAB DA PRAÇA, com oficinas sobre o cinema documental, cartografias de memórias e narrativas imersivas. O LAB também contou com o Cabine Aberta, um set de filmagem que gravou depoimentos e memórias de moradores, transeuntes, trabalhadores e frequentadores da praça e que se transformou nos “Retratos da Praça”, da seção Praça em 3×4. O projeto também teve como resultado um documentário em curta-metragem que foi projetado ao ar livre para a população local em seu lançamento.

Ficha Tecnica

Giro na Praça

ESTÚDIO CRUA
Produção

Marcia Mansur &
Marina Thomé

Direção Geral

MARCIA MANSUR
Produção Executiva

PALOMA ESPÍNDOLA
Assistente de Produção Executiva

GABRIELA PASCAL
Coordenação de Produção

Entrevistados
(em ordem alfabética)

ACME
ADDA DI GUIMARÃES
ANDREA QUEIROZ
ANDREA SARAMAGO
AVELINO DA SILVA
CAMILA JILEK
CLÁUDIO PINHEIRO
GEORGE SEIXAS DOS SANTOS (MESA)
GIOVANI FORNEZI
JOEL CÂNDIDO
JORGE ARTHUR
LUIZ NARCISO
MARA DOS SANTOS
MÁRCIA SOUZA
MÁRCIA VALÉRIA OLIVEIRA
MARIA CLARA PARENTE
MARIA HELENA GOMES
MARTHA ALENCAR
RITA FORNEZI
VALÉRIA FIRMINO
VERA LÚCIA
VERA VALDEZ
ZULMIRA DOS SANTOS

Fotografias 360º

VILA 360
Tour Virtual

CAMILA MARQUES
VINICIUS DANTAS
GABRIEL FREIRE
Captação e Criação de Imagens 360º

Plataforma

Marina thomé
Coordenação de Projeto Digital

Juliana azevedo
Identidade Visual e Design

Sayuri niwano
Assistente

FLUXO
Programação Web

CLARISSA BERETZ
Redação de Textos

Pesquisa

MARCIA MANSUR
Coordenação de Pesquisa

MIRIAM STRUZ
Pesquisa de Imagens e Personagens

Audioguias

Trovão mídia
Produção

Ana Bonomi
Produção Executiva

LAURA CAPELHUCHNIK
Roteiro

JOSÉ ORENSTEIN
Tratamento de Roteiro

MARIANNA ROMANO
Locução, Edição e Mixagem

Audiovisual

DDK Digital
Produção

ADRIANO ESPÍNDOLA FILHO
Co-Direção Audiovisual

PRISCILA BELELI
Assistência de Produção

DANILO PENA
Assistência de Produção

NATÁLIA DAVINHA
LEANDRO MATHIELO
Câmeras

ADRIANO ESPÍNDOLA FILHO
Imagens de Drone

RAQUEL LÁZARO
Som direto

LEANDRO MATHIELLO
Edição

JONAS MATTOSO
Assistentes de Edição

NATÁLIA DAVINHA
Tratamento de Cor

JONAS MATTOSO
Edição de Cor

JONAS MATTOSO
Trilha Sonora

MARCOS CAMELO
Motorista

Imagens De Arquivo

Fotografias:
Arquivo Nacional,
Centro Técnico
De Audiovisual (CTAV),
Jorge Kfuri/
Coleção Gilverto Ferrez/
Acervo Instituto
Moreira Salles,
Marc Ferrez/
Coleção Gilverto Ferrez/
Acervo Instituto
Moreira Salles,
Piotr Ilowiecki,
Acervo Zona Sul,
Augusto Malta.

Arquivos Pessoais:
Camilla Jilek,
Cláudio Pinheiro
e Jorge Arthur.

Filmes:
“Quero Botar Meu Bloco Na Rua” (Direção: Adriana Dutra, 2018)

“Se Segura Malandro”
(Direção: Hugo Carvana, 1978)

“Éramos Todos Loucos”
(Direção: Pedro Carvana e Rita Carvana, 2014)

Workshop Lab Da Praça
Sesc Tijuca

ANDRÉ PAZ
LUCIANA BEZERRA
MIRIAM STRUZ
SOPHIA PINHEIRO
Palestrantes
(em ordem alfabética)

Evento de Lançamento

FANFARRA DIMINUTA
Música

PRODUTOR TÉCNICO
Rodgers Montserrat

BEATRIZ MEDAWAR
Produção Local Rio de Janeiro

VIDEOMAIS
SOLUÇÕES E TECNOLOGIAS AUDIOVISUAIS

Projeção

Agradecimentos

Museu de Favela
Nós do Morro
Martha Alencar
Pedro Carvana
Rita Carvana
Vera Valdez
Adriana Dutra
Ana Luiza
de Abreu

Sesc RJ

Antonio Florencio de
Queiroz junior

Presidente da Federação
Do Comércio do Estado
Do Rio de Janeiro
| Fecomércio RJ

REGINA PINHO
Diretora Regional

FERNANDO ALVES DA SILVA
Diretor de
Programas Sociais

FABIO SOARES
Diretor de Desenvolvimento
Institucional

HEBER MOURA
Diretor de Comunicação
E Marketing

ADRIANA SANTOS
Gerente de Educação

REJANE NÓBREGA
Coordenadora de Educação

ADRIANO ROCHA
Analista de Educação

Sesc Copacabana

Fabio machado
Gerente

FERNANDO CASSIANO
Coordenador Administrativo

SESC RJ
Realização

Todos os esforços foram feitos para localizar a origem e a propriedade de todo o material e todas as pessoas inseridas neste documentário. A produtora lamenta erros ou omissões que possam ter ocorrido na liberação desses direitos já que o intuito foi o de obter todas as liberações corretamente.

Audioguia

Viaje pelas ondas
sonoras imaginando
como tudo aconteceu
O barroco carioca de Mestre Valentim
Estamos no Rio de Janeiro, meados do século 18. O Brasil é uma colônia de Portugal. E um surto de gripe toma a cidade… No centro do Rio, a Lagoa Boqueirão da Ajuda é apontada como a origem da epidemia. É ali que são jogados os dejetos da população da capital do país. O vice-rei do Brasil decide, então, aterrar a lagoa e o manguezal no entorno para tentar acabar com aquele surto. Pra imaginar o traçado do novo espaço, ele chama um dos grandes artistas da época – e de quem talvez você nunca tenha ouvido falar: o Mestre Valentim. E assim nasce o primeiro parque do país: o Passeio Público do Rio de Janeiro. No século 18, ainda no sistema colonial exportador, o Rio vivia um período de abundância, com várias reformas de saneamento e abastecimento urbano. Em 1783 então a cidade ganha seu primeiro espaço público de lazer ao ar livre: um grande jardim ornamentado, de estilo francês. O Mestre Valentim traz aos cariocas a inspiração do iluminismo europeu. Uma forma racional e cartesiana de domesticar a natureza no ambiente urbano. O Passeio Público logo virou o grande ponto de encontro da sociedade carioca setecentista. Valentim da Fonseca e Silva foi um dos grandes gênios do Brasil colonial. Nasceu em 1745 em Serro, em Minas Gerais. Mas fez a vida no Rio – daí vem o apelido de Aleijadinho carioca. A gente não conhece a história toda dele. O que se sabe é que ele era filho de um fidalgo português e de uma mulher negra escravizada. A vida desse artista, escultor e arquiteto foi marcada por essa ambiguidade: ele tinha reconhecimento público, mas ao mesmo tempo vivia dificuldades por não ser branco em um país escravista. A primeira obra conhecida do Mestre Valentim é a decoração da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, perto da Praça XV, no centro do Rio. Ele foi auxiliar do entalhador Luís da Fonseca Rosa no trabalho, feito em 1772. A Igreja é toda ornamentada em talha dourada, típica daquela época colonial: as paredes e colunas são cheias de guirlandas, buquês de flores, laços e cabeças de querubins entalhadas. O estilo do Mestre Valentim já tá todo ali: uma mistura de elementos típicos da arte rococó portuguesa com traços neoclássicos. A igreja ainda hoje tá aberta pra visitação. Muitos templos religiosos do Rio construídos ou reformados nessa época tem as mãos do mestre Valentim. Um dos seus trabalhos mais conhecidos, o chafariz das Saracuras, foi criado em 1795 para o antigo Convento da Ajuda, onde hoje é a Cinelândia, no Centro do Rio. Com a demolição do prédio em 1911, a fonte foi doada à Prefeitura do Rio. “Ele chega já no período republicano, a Praça General Osório, e é tombado pelo Iphan em 38.” Esta é a Andrea Queiroz. Ela é historiadora e diretora da Divisão de Memória Institucional da UFRJ. Ela conta que o chafariz saiu lá do centro do Rio e foi parar na principal praça de Ipanema já no século 20. A Andrea mostra uma dupla função do legado deixado pelo Mestre Valentim: um patrimônio da história da arte e da arquitetura, e também a memória de um tempo, de como se pensava o uso da água na cidade. “A gente volta a um outro cenário importante para a nossa sociedade, que é a relação da água potável para todos. Então, assim, o chafariz na praça é uma referência de que aquela água ali poderia ser utilizada não só para aqueles viajantes que estavam chegando, mas para todos.” As fontes e os chafarizes, além de ornamentar os espaços, serviam para abastecer a população e a tripulação das embarcações que ancoravam no Rio de Janeiro. “Tem uma referência com o passado colonial de uma sociedade europeia que vive no frio e vem pra cá e tem que se ambientar nos trópicos.” O chafariz, que refrescava a cidade, ganhou uma nova dimensão quando foi trazido para o espaço de sociabilidade da praça. “É também uma relação das brincadeiras que podem ser feitas ali, não só da preservação do patrimônio, mas a referência em que as crianças podem brincar com esse patrimônio. Ele ficou durante muito tempo renegado. Assim, não só a revitalização, mas a reinauguração dele é de muita importância, não só para a história da cidade, mas para uma ideia de patrimônio, de legado da nossa cultura.” Se você for visitar o Jardim Botânico do Rio, também vai encontrar peças importantes da história do Mestre Valentim. É lá que estão as esculturas da ninfa Eco e do caçador Narciso, dois ícones pagãos que faziam parte da ornamentação do Passeio Público. Elas são umas das primeiras esculturas em metal fundido no Brasil – uma inovação nas artes feita por Mestre Valentim. O artista morreu em 1813. Foi carregado pelo povo para dentro da Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, no centro do Rio, onde fica sua sepultura. Mestre Valentim deixou seu legado nas imagens sagradas e também nas profanas. Nas grandes reformas urbanas e nos mínimos detalhes dos seus ornamentos. Em espaços públicos e igrejas, sua memória está por toda a cidade.
O barroco carioca de Mestre Valentim
Estamos no Rio de Janeiro, meados do século 18. O Brasil é uma colônia de Portugal. E um surto de gripe toma a cidade… No centro do Rio, a Lagoa Boqueirão da Ajuda é apontada como a origem da epidemia. É ali que são jogados os dejetos da população da capital do país. O vice-rei do Brasil decide, então, aterrar a lagoa e o manguezal no entorno para tentar acabar com aquele surto. Pra imaginar o traçado do novo espaço, ele chama um dos grandes artistas da época – e de quem talvez você nunca tenha ouvido falar: o Mestre Valentim. E assim nasce o primeiro parque do país: o Passeio Público do Rio de Janeiro. No século 18, ainda no sistema colonial exportador, o Rio vivia um período de abundância, com várias reformas de saneamento e abastecimento urbano. Em 1783 então a cidade ganha seu primeiro espaço público de lazer ao ar livre: um grande jardim ornamentado, de estilo francês. O Mestre Valentim traz aos cariocas a inspiração do iluminismo europeu. Uma forma racional e cartesiana de domesticar a natureza no ambiente urbano. O Passeio Público logo virou o grande ponto de encontro da sociedade carioca setecentista. Valentim da Fonseca e Silva foi um dos grandes gênios do Brasil colonial. Nasceu em 1745 em Serro, em Minas Gerais. Mas fez a vida no Rio – daí vem o apelido de Aleijadinho carioca. A gente não conhece a história toda dele. O que se sabe é que ele era filho de um fidalgo português e de uma mulher negra escravizada. A vida desse artista, escultor e arquiteto foi marcada por essa ambiguidade: ele tinha reconhecimento público, mas ao mesmo tempo vivia dificuldades por não ser branco em um país escravista. A primeira obra conhecida do Mestre Valentim é a decoração da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, perto da Praça XV, no centro do Rio. Ele foi auxiliar do entalhador Luís da Fonseca Rosa no trabalho, feito em 1772. A Igreja é toda ornamentada em talha dourada, típica daquela época colonial: as paredes e colunas são cheias de guirlandas, buquês de flores, laços e cabeças de querubins entalhadas. O estilo do Mestre Valentim já tá todo ali: uma mistura de elementos típicos da arte rococó portuguesa com traços neoclássicos. A igreja ainda hoje tá aberta pra visitação. Muitos templos religiosos do Rio construídos ou reformados nessa época tem as mãos do mestre Valentim. Um dos seus trabalhos mais conhecidos, o chafariz das Saracuras, foi criado em 1795 para o antigo Convento da Ajuda, onde hoje é a Cinelândia, no Centro do Rio. Com a demolição do prédio em 1911, a fonte foi doada à Prefeitura do Rio. “Ele chega já no período republicano, a Praça General Osório, e é tombado pelo Iphan em 38.” Esta é a Andrea Queiroz. Ela é historiadora e diretora da Divisão de Memória Institucional da UFRJ. Ela conta que o chafariz saiu lá do centro do Rio e foi parar na principal praça de Ipanema já no século 20. A Andrea mostra uma dupla função do legado deixado pelo Mestre Valentim: um patrimônio da história da arte e da arquitetura, e também a memória de um tempo, de como se pensava o uso da água na cidade. “A gente volta a um outro cenário importante para a nossa sociedade, que é a relação da água potável para todos. Então, assim, o chafariz na praça é uma referência de que aquela água ali poderia ser utilizada não só para aqueles viajantes que estavam chegando, mas para todos.” As fontes e os chafarizes, além de ornamentar os espaços, serviam para abastecer a população e a tripulação das embarcações que ancoravam no Rio de Janeiro. “Tem uma referência com o passado colonial de uma sociedade europeia que vive no frio e vem pra cá e tem que se ambientar nos trópicos.” O chafariz, que refrescava a cidade, ganhou uma nova dimensão quando foi trazido para o espaço de sociabilidade da praça. “É também uma relação das brincadeiras que podem ser feitas ali, não só da preservação do patrimônio, mas a referência em que as crianças podem brincar com esse patrimônio. Ele ficou durante muito tempo renegado. Assim, não só a revitalização, mas a reinauguração dele é de muita importância, não só para a história da cidade, mas para uma ideia de patrimônio, de legado da nossa cultura.” Se você for visitar o Jardim Botânico do Rio, também vai encontrar peças importantes da história do Mestre Valentim. É lá que estão as esculturas da ninfa Eco e do caçador Narciso, dois ícones pagãos que faziam parte da ornamentação do Passeio Público. Elas são umas das primeiras esculturas em metal fundido no Brasil – uma inovação nas artes feita por Mestre Valentim. O artista morreu em 1813. Foi carregado pelo povo para dentro da Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, no centro do Rio, onde fica sua sepultura. Mestre Valentim deixou seu legado nas imagens sagradas e também nas profanas. Nas grandes reformas urbanas e nos mínimos detalhes dos seus ornamentos. Em espaços públicos e igrejas, sua memória está por toda a cidade.
A gente volta a um outro
cenário importante para
a nossa sociedade,
que é a relação da água
potável para todos.
De jangada às dunas de Gal
No fim dos anos 60, Ipanema vivia uma agitação cultural única na história do Rio. As movimentações intelectuais e artísticas ressoavam em toda a cidade. E era dentro dos bares que boa parte disso acontecia: ali surgiam ideias de livros, jornais, músicas e peças de teatro. Nasceram ali também articulações importantes pra enfrentar a ditadura militar. As redondezas da praça General Osório, em Ipanema, são uma boa síntese desse espírito boêmio e também contestador da época: era rodeada de bares, teatro, cinema… E até a praia fez história. Um dos pontos mais concorridos do bairro nesse tempo era o Bar Jangadeiro, que fica na Visconde de Pirajá, a principal rua de Ipanema que atravessa o bairro todinho, e só vai mudar de nome lá no Leblon. Ele foi inaugurado em 1935 como o Bar Rhenania. O nome alemão gerou polêmica na época da ascensão do nazismo, e o bar foi alvo de protestos e destruição. Ainda nos anos 40, o estabelecimento passou para as mãos de outro dono, que mudou o nome para Jangadeiro. Lá no contexto da Segunda Guerra Mundial. Tem um corte tremendo, porque assim não era muito bem visto ter um bar associado àquela a dimensão da Alemanha nazista. Então há uma subversão aí nesse sentido. Essa é a Andrea Queiroz, historiadora e diretora da Divisão de Memória Institucional da UFRJ. O bar tem quase o mesmo nome de outra rua que dá na Praça General Osório, a Rua dos Jangadeiros. É uma homenagem ao grupo de cearenses que navegaram até o Rio de Janeiro para reivindicar seus direitos trabalhistas. Bem diferente de Rhenania. Você rompe com esse, com esse passado. E transmuta esse passado com um novo nome que também está ligado a essa questão de luta social Esse movimento dos Jangadeiros aconteceu quando o Rio ainda era a capital do Brasil e vivia sob a ditadura do Estado Novo, comandada por Getúlio Vargas. Uma reforma trabalhista estava sendo discutida, e eles viajaram 2700 quilômetros em alto-mar para exigir que os pescadores fossem lembrados. O bar homenageava a mobilização popular, mas ficou conhecido mesmo por ser o ponto de encontro da intelectualidade carioca. Os músicos Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Roberto Menescal passaram por lá. Os escritores Rubem Braga, Millôr Fernandes e Fernando Sabino também. Já no fimzinho dos anos 60, o Jangadeiro passou a ser também a ser um dos bares preferidos do pessoal do Pasquim, um jornal satírico reconhecido pelo diálogo com a contracultura e pela contestação à ditadura militar. Então, a minha vida passou em vários momentos pelos bares ali, por aquele centro, aquele quadrilátero ali, que era importante culturalmente Essa é a Martha Alencar, jornalista e cineasta, que trabalhou no Pasquim nos anos 70. E ela também frequentou bastante as redondezas da Praça nesses anos. Era o espírito da época. O espírito da contestação, da brincadeira, dá uma certa uma alegria de viver e estar provocando, provocar coisas. E era mais essa agitação cultural que havia, quer dizer, o Teatro de Bolso e as pessoas que moravam ali. Esse Teatro de Bolso que a Martha falou era o Teatro Aurimar Rocha, que de tão pequeno ganhou esse apelido – e que foi imenso na sua importância cultural. Naquele palco, Leila Diniz fez sua estreia no teatro. E a atriz, como é bem sabido, é uma das protagonistas desse romance que foi o Rio nos anos 60 e 70. A Leila Diniz ficou muito conhecida pelos filmes e novelas que ela fez na Globo, na Record e na, já extinta, TV Tupi. Achava o cinema “a glória” e fazer teatro “um saco”, como disse numa entrevista histórica pro Pasquim em 69. A atriz desafiava a caretice na ditadura e não tinha medo de falar o que pensava. As dezenas de palavrões que ela disse nessa entrevista e as declarações abertas sobre a vida amorosa e sexual repercutiram demais na época. Se esse tipo de coisa dá audiência hoje, imagina naquela época. Não demorou muito pra ela virar inimiga pública número um da ditadura. E a reação não foi branda: veio em forma de decreto, número mil e setenta e sete, também conhecido como “Decreto Leila Diniz”, que instituiu a censura prévia no país. Foi uma pessoa muito importante para nós. Nós não só as amigas, para as mulheres, para as mulheres brasileiras. Essa é a atriz Vera Valdez, que foi muito amiga de Leila Diniz. A Leila... ela representava através do deboche, porque ela debochava realmente de praticamente tudo. Mas com significativo muito de mulher que quer se liberar. Que quer... que quer isso. Que grita por liberdade. Liberdade de expressão, de ser, de querer, de amar. Era uma grande amiga, grande amiga. Tem um episódio clássico que traduz bem a importância do espírito contestador que a Vera descreve. Foi quando a Leila Diniz apareceu de biquíni, na praia, grávida de cinco meses. Chocou a opinião pública. Foi uma avalanche de críticas. Hoje é um símbolo da libertação das mulheres. Leila Diniz foi impedida de trabalhar como atriz e abriu com a Vera uma butique na Praça General Osório, a Loja 12. Que nós tivemos durante praticamente toda a gravidez de Leila. E pós-gravidez de Leila, até a morte dela, do qual aí, eu também não consegui ficar, porque me lembrava muito dela, minha mãe tomou conta. E depois fechamos essa loja. Leila Diniz morreu cedo, aos 27 anos, num acidente de avião. Tinha ido a um festival de cinema na Austrália e ia estender a viagem, mas decidiu voltar mais cedo por saudades da filha. Várias, várias, várias memórias, querida, várias, várias, recordações. As coisas muito alegres, muito alegre mesmo. E….Praia, praia, praia. As noites - normalmente ela não era muito de bar - acho que ela já ia namorar mesmo, já preferia essas coisas. Onde tinha mar, Leila estava. Então nós íamos muito no Posto Nove que dava na rua onde nós... onde a Leila morava comigo Além do Posto Nove, a Vera contou que ia muito nas Dunas de Gal. Eu frequentei muito, mas Leila não, porque ela ficava na loja. As dunas... as Dunas do Barato. Depois é que virou as dunas da Gal. Mais em texto de jornalismo. Mas para nós, de Ipanema, ali era as Dunas do Barato. Porque ali se fumava de mão em mão. Com isso, a gente chega ao último ponto deste circuito do desbunde do Rio de Janeiro nos anos 70: o pôr do sol nas Dunas do Barato. Ou nas Dunas da Gal. O nome já dá uma pista de outra mulher forte que marcou a história do Rio de Janeiro: a cantora Gal Costa. A faixa de areia na altura da Rua Teixeira de Melo, em Ipanema, era onde a Gal e sua trupe pegavam praia. Por isso ganhou esse apelido. No início dos anos 70, ela era o centro das atenções, em cartaz no Rio com o show 'Gal a Todo vapor'. O disco virou um marco da geração, que via crescer o movimento tropicalista e também a contracultura. Gal Costa representava o apogeu do desbunde. E as dunas eram o seu palco. A história de como essa parte da praia entrou na moda é curiosa. No início dos anos 70, um emissário submarino começou a ser construído ali. E para viabilizar a construção, a empresa responsável fez um píer que avançava sobre o mar, cercado por bancos de areia artificiais. Isso mudou a paisagem da praia para sempre, e também a sua história. A área das Dunas de Gal, ou Dunas do Barato, como também era conhecida, em tese, era reservada aos operários envolvidos na construção. Mas logo foi achada pelos surfistas. E aquilo ali está sendo montado, não com a ideia de formar ondas, mas acaba formando ondas e vai ser, claro, aproveitado pela juventude daquele momento. E aí não vai ser só um espaço em que a juventude vai usar para pegar suas ondas. Mas é um espaço em que a juventude está ali, combatendo aquela moral e os bons costumes. E depois, como você já deve adivinhar, virou um ponto de encontro de artistas, intelectuais e de todo mundo que gostava de aproveitar esse oásis de paz e amor na truculenta capital carioca sob o comando dos militares. O pier acumulou muitas histórias até ser desfeito. Depois da morte de Gal Costa, em 2022, a área virou Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial da cidade. Uma homenagem à cantora baiana tão ligada ao Rio e aos que construíram, junto com ela, esses capítulos rebeldes e transformadores da história da cidade.
De jangada às dunas de Gal
No fim dos anos 60, Ipanema vivia uma agitação cultural única na história do Rio. As movimentações intelectuais e artísticas ressoavam em toda a cidade. E era dentro dos bares que boa parte disso acontecia: ali surgiam ideias de livros, jornais, músicas e peças de teatro. Nasceram ali também articulações importantes pra enfrentar a ditadura militar. As redondezas da praça General Osório, em Ipanema, são uma boa síntese desse espírito boêmio e também contestador da época: era rodeada de bares, teatro, cinema… E até a praia fez história. Um dos pontos mais concorridos do bairro nesse tempo era o Bar Jangadeiro, que fica na Visconde de Pirajá, a principal rua de Ipanema que atravessa o bairro todinho, e só vai mudar de nome lá no Leblon. Ele foi inaugurado em 1935 como o Bar Rhenania. O nome alemão gerou polêmica na época da ascensão do nazismo, e o bar foi alvo de protestos e destruição. Ainda nos anos 40, o estabelecimento passou para as mãos de outro dono, que mudou o nome para Jangadeiro. Lá no contexto da Segunda Guerra Mundial. Tem um corte tremendo, porque assim não era muito bem visto ter um bar associado àquela a dimensão da Alemanha nazista. Então há uma subversão aí nesse sentido. Essa é a Andrea Queiroz, historiadora e diretora da Divisão de Memória Institucional da UFRJ. O bar tem quase o mesmo nome de outra rua que dá na Praça General Osório, a Rua dos Jangadeiros. É uma homenagem ao grupo de cearenses que navegaram até o Rio de Janeiro para reivindicar seus direitos trabalhistas. Bem diferente de Rhenania. Você rompe com esse, com esse passado. E transmuta esse passado com um novo nome que também está ligado a essa questão de luta social Esse movimento dos Jangadeiros aconteceu quando o Rio ainda era a capital do Brasil e vivia sob a ditadura do Estado Novo, comandada por Getúlio Vargas. Uma reforma trabalhista estava sendo discutida, e eles viajaram 2700 quilômetros em alto-mar para exigir que os pescadores fossem lembrados. O bar homenageava a mobilização popular, mas ficou conhecido mesmo por ser o ponto de encontro da intelectualidade carioca. Os músicos Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Roberto Menescal passaram por lá. Os escritores Rubem Braga, Millôr Fernandes e Fernando Sabino também. Já no fimzinho dos anos 60, o Jangadeiro passou a ser também a ser um dos bares preferidos do pessoal do Pasquim, um jornal satírico reconhecido pelo diálogo com a contracultura e pela contestação à ditadura militar. Então, a minha vida passou em vários momentos pelos bares ali, por aquele centro, aquele quadrilátero ali, que era importante culturalmente Essa é a Martha Alencar, jornalista e cineasta, que trabalhou no Pasquim nos anos 70. E ela também frequentou bastante as redondezas da Praça nesses anos. Era o espírito da época. O espírito da contestação, da brincadeira, dá uma certa uma alegria de viver e estar provocando, provocar coisas. E era mais essa agitação cultural que havia, quer dizer, o Teatro de Bolso e as pessoas que moravam ali. Esse Teatro de Bolso que a Martha falou era o Teatro Aurimar Rocha, que de tão pequeno ganhou esse apelido – e que foi imenso na sua importância cultural. Naquele palco, Leila Diniz fez sua estreia no teatro. E a atriz, como é bem sabido, é uma das protagonistas desse romance que foi o Rio nos anos 60 e 70. A Leila Diniz ficou muito conhecida pelos filmes e novelas que ela fez na Globo, na Record e na, já extinta, TV Tupi. Achava o cinema “a glória” e fazer teatro “um saco”, como disse numa entrevista histórica pro Pasquim em 69. A atriz desafiava a caretice na ditadura e não tinha medo de falar o que pensava. As dezenas de palavrões que ela disse nessa entrevista e as declarações abertas sobre a vida amorosa e sexual repercutiram demais na época. Se esse tipo de coisa dá audiência hoje, imagina naquela época. Não demorou muito pra ela virar inimiga pública número um da ditadura. E a reação não foi branda: veio em forma de decreto, número mil e setenta e sete, também conhecido como “Decreto Leila Diniz”, que instituiu a censura prévia no país. Foi uma pessoa muito importante para nós. Nós não só as amigas, para as mulheres, para as mulheres brasileiras. Essa é a atriz Vera Valdez, que foi muito amiga de Leila Diniz. A Leila... ela representava através do deboche, porque ela debochava realmente de praticamente tudo. Mas com significativo muito de mulher que quer se liberar. Que quer... que quer isso. Que grita por liberdade. Liberdade de expressão, de ser, de querer, de amar. Era uma grande amiga, grande amiga. Tem um episódio clássico que traduz bem a importância do espírito contestador que a Vera descreve. Foi quando a Leila Diniz apareceu de biquíni, na praia, grávida de cinco meses. Chocou a opinião pública. Foi uma avalanche de críticas. Hoje é um símbolo da libertação das mulheres. Leila Diniz foi impedida de trabalhar como atriz e abriu com a Vera uma butique na Praça General Osório, a Loja 12. Que nós tivemos durante praticamente toda a gravidez de Leila. E pós-gravidez de Leila, até a morte dela, do qual aí, eu também não consegui ficar, porque me lembrava muito dela, minha mãe tomou conta. E depois fechamos essa loja. Leila Diniz morreu cedo, aos 27 anos, num acidente de avião. Tinha ido a um festival de cinema na Austrália e ia estender a viagem, mas decidiu voltar mais cedo por saudades da filha. Várias, várias, várias memórias, querida, várias, várias, recordações. As coisas muito alegres, muito alegre mesmo. E….Praia, praia, praia. As noites - normalmente ela não era muito de bar - acho que ela já ia namorar mesmo, já preferia essas coisas. Onde tinha mar, Leila estava. Então nós íamos muito no Posto Nove que dava na rua onde nós... onde a Leila morava comigo Além do Posto Nove, a Vera contou que ia muito nas Dunas de Gal. Eu frequentei muito, mas Leila não, porque ela ficava na loja. As dunas... as Dunas do Barato. Depois é que virou as dunas da Gal. Mais em texto de jornalismo. Mas para nós, de Ipanema, ali era as Dunas do Barato. Porque ali se fumava de mão em mão. Com isso, a gente chega ao último ponto deste circuito do desbunde do Rio de Janeiro nos anos 70: o pôr do sol nas Dunas do Barato. Ou nas Dunas da Gal. O nome já dá uma pista de outra mulher forte que marcou a história do Rio de Janeiro: a cantora Gal Costa. A faixa de areia na altura da Rua Teixeira de Melo, em Ipanema, era onde a Gal e sua trupe pegavam praia. Por isso ganhou esse apelido. No início dos anos 70, ela era o centro das atenções, em cartaz no Rio com o show 'Gal a Todo vapor'. O disco virou um marco da geração, que via crescer o movimento tropicalista e também a contracultura. Gal Costa representava o apogeu do desbunde. E as dunas eram o seu palco. A história de como essa parte da praia entrou na moda é curiosa. No início dos anos 70, um emissário submarino começou a ser construído ali. E para viabilizar a construção, a empresa responsável fez um píer que avançava sobre o mar, cercado por bancos de areia artificiais. Isso mudou a paisagem da praia para sempre, e também a sua história. A área das Dunas de Gal, ou Dunas do Barato, como também era conhecida, em tese, era reservada aos operários envolvidos na construção. Mas logo foi achada pelos surfistas. E aquilo ali está sendo montado, não com a ideia de formar ondas, mas acaba formando ondas e vai ser, claro, aproveitado pela juventude daquele momento. E aí não vai ser só um espaço em que a juventude vai usar para pegar suas ondas. Mas é um espaço em que a juventude está ali, combatendo aquela moral e os bons costumes. E depois, como você já deve adivinhar, virou um ponto de encontro de artistas, intelectuais e de todo mundo que gostava de aproveitar esse oásis de paz e amor na truculenta capital carioca sob o comando dos militares. O pier acumulou muitas histórias até ser desfeito. Depois da morte de Gal Costa, em 2022, a área virou Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial da cidade. Uma homenagem à cantora baiana tão ligada ao Rio e aos que construíram, junto com ela, esses capítulos rebeldes e transformadores da história da cidade.
No fim dos anos 60,
Ipanema vivia
uma agitação cultural
única na história do Rio
O Carnaval da Banda de Ipanema
Carnaval, fevereiro de 1965. Pouco menos de um ano depois do golpe militar, nascia a mãe de todas as bandas carnavalescas do país: a Banda de Ipanema. Um patrimônio da história cultural do Rio de Janeiro e do Brasil. A Ipanema do final dos anos 50 não tinha folia, não tinha festa de rua. O bairro já atraía artistas e intelectuais, mas quem viveu lá nessa época descreve um clima de cidade do interior. Foi lá pela virada dos anos 60 que esse clima começou a mudar. Com os boêmios da cidade abrindo caminho, o universo das gafieiras e das escolas de samba da zona Norte e do centro da cidade atravessaram o túnel e chegaram em Ipanema. É curioso porque, pra contar essa história, a gente precisa ir pra Minas Gerais, para a cidade de Ubá. Tudo começa no carnaval de 1959, com o designer Ferdy Carneiro, um mineiro apaixonado pelo Rio e frequentador dos sambas mais tradicionais da cidade. O Ferdy arrastou os companheiros da boemia carioca para passar o carnaval lá em Ubá. A atração principal era a Banda Phylarmônica Em Boca Dura. Assim, separado. Um conjunto de foliões vestidos de branco, com chapéu de palha, embalando os carnavalescos pela cidade. “Cada um deles portando um instrumento musical, fingindo que estava tocando e ninguém tocava porcaria nenhuma” Esse é o Claudio Pinheiro, um dos fundadores e atual presidente da Banda de Ipanema. “Só que a cidade tinha absorvido esse costume e fazia uma festa com isso. Ia todo mundo atrás. Era uma grande festa pra cidade. Isso acabou por impressionar os nossos amigos, que estavam lá, particularmente o meu irmão.” O irmão do Cláudio é o Albino Pinheiro, que estava nesse carnaval de Minas. Ele foi o grande realizador de incontáveis festas populares, shows e bailes no Rio. E levou o samba dos subúrbios pra zona Sul. Com a inspiração dos pseudo-músicos de Ubá e outras ideias na cabeça, o grupo de amigos decidiu colocar a mão na massa. “A Banda de Ipanema surgiu assim como ideia e tudo desde 1959, como raiz da memória do espaço, e começou a ser concretizada em Janeiro. Para valer mesmo em Janeiro de 65. E nós nos reunimos ali na Rua Jangadeiros, no apartamento de dois amigos fundadores, o também: Glaudir e o Hugo Bidet. E começamos a relacionar os amigos que poderiam participar da primeira saída da Banda de Ipanema. Que nunca tinha saído. Estava em fase de pré-organização ou pré-desorganização, depende. A escalação inicial tinha Albino e Cláudio Pinheiro, Ferdy Carneiro, o publicitário José Ruy Dutra e os cartunistas Jaguar e Ziraldo, entre dezenas de outros nomes – mas possivelmente nenhum músico. “Alguns não puderam, por mil razões. E foi assim que começou. Eram 30 e poucos aqui, saindo do Jangadeiros vieram pra cá.” Saíram da Rua dos Jangadeiros e foram para a Praça General Osório, de onde a banda tradicionalmente passou a sair, e onde também a gente conversou com o Cláudio. Naquela época, primeiro carnaval no Brasil no regime militar, era proibido juntar mais de 50 pessoas num lugar público. Só a Banda começou com 30 membros. E o primeiro cortejo levou dez mil foliões pelas ruas do Rio. “Isso aconteceu nesse momento tão peculiar que fez com que a Banda Ipanema fosse muitas vezes confundida com um protesto contra a ditadura. Tinha também, mas não foi por isso que ela apareceu.” Desde o primeiro ano, eles abrem o desfile levando uma faixa em que está escrito “Yolhesman Crisbeles”. “Yolhesman Crisbeles, já ouviu falar? Yolhesman Crisbeles” Um lema misterioso que deixava confuso o antigo Serviço Nacional de Informações da ditadura. Os agentes não sabiam exatamente o que significava, mas tinham certeza do potencial subversivo daquilo. “Acharam que era uma mensagem sub-reptícia para derrubar a ditadura. Antes fosse, era uma brincadeira inspirada no que foi ouvido de um cidadão messiânico fazendo discurso na Central do Brasil. Tinha nada a ver com nada.” Outra história que corre entre os membros mais antigos é que duas agentes do Serviço Nacional de Informação chegaram a se infiltrar no desfile da banda disfarçadas de senhoras da terceira idade. O objetivo delas era descobrir os códigos subversivos do carnaval. “A Banda passou por esses momentos todos que hoje teriam outro tipo de tratamento. Mas foram marcantes para nós. E a banda nunca recuou de suas características fundamentais, de liberdade pessoal, de igualdade, de aceitar todo tipo de pessoa. Só espero que a gente tenha uma parede pra fascista. Isso aí eu não quero não. Se depender de mim. Mas independente de cor, religião, raça, entra todo mundo. Sempre foi. É uma característica fundamental da Banda de Ipanema.” O encontro da boemia intelectual da zona Sul com o espírito dos blocos carnavalescos do subúrbio foi explosivo. O desfile se agigantou, e logo deu filhotes: Banda do Leme, Banda da Tijuca… a moda pegou inclusive em outros estados. Nesses quase 60 anos de festa, a única interrupção foi durante a pandemia. Faça chuva ou faça sol, a banda sai 15 dias antes do carnaval, abrindo alas pra folia carioca e levando milhares de pessoas pras ruas. Cada edição tem um nome ligado às artes ou à cultura popular. Já foram lembrados Bibi Ferreira, Clara Nunes, Grande Otelo, Nelson Cavaquinho e até Oscar Niemeyer. Muitos inclusive desfilaram com a Banda. A primeira musa permanece a mesma, pra sempre única: a atriz Leila Diniz. São muitas as anedotas contadas sobre os desfiles: casais que começaram sua história de amor ali, divorciados que decidiram reatar, de tão animados pela festa; crianças e jovens que participam desde novos – e que, hoje, levam seus filhos e netos no mesmo ponto de encontro. Em 2004, a Prefeitura do Rio decidiu tombar a Banda de Ipanema. O primeiro bem imaterial registrado na cidade. A Banda de Ipanema sobreviveu à ditadura e à perda de uns dos seus maiores entusiastas, como o presidente Albino Pinheiro e o fundador José Ruy Dutra. Mas como escreveu o jornalista Fausto Wolff, um dos pioneiros do desfile, ela continuará – enquanto houver música e povo, a Banda continuará.
O Carnaval da Banda de Ipanema
Carnaval, fevereiro de 1965. Pouco menos de um ano depois do golpe militar, nascia a mãe de todas as bandas carnavalescas do país: a Banda de Ipanema. Um patrimônio da história cultural do Rio de Janeiro e do Brasil. A Ipanema do final dos anos 50 não tinha folia, não tinha festa de rua. O bairro já atraía artistas e intelectuais, mas quem viveu lá nessa época descreve um clima de cidade do interior. Foi lá pela virada dos anos 60 que esse clima começou a mudar. Com os boêmios da cidade abrindo caminho, o universo das gafieiras e das escolas de samba da zona Norte e do centro da cidade atravessaram o túnel e chegaram em Ipanema. É curioso porque, pra contar essa história, a gente precisa ir pra Minas Gerais, para a cidade de Ubá. Tudo começa no carnaval de 1959, com o designer Ferdy Carneiro, um mineiro apaixonado pelo Rio e frequentador dos sambas mais tradicionais da cidade. O Ferdy arrastou os companheiros da boemia carioca para passar o carnaval lá em Ubá. A atração principal era a Banda Phylarmônica Em Boca Dura. Assim, separado. Um conjunto de foliões vestidos de branco, com chapéu de palha, embalando os carnavalescos pela cidade. “Cada um deles portando um instrumento musical, fingindo que estava tocando e ninguém tocava porcaria nenhuma” Esse é o Claudio Pinheiro, um dos fundadores e atual presidente da Banda de Ipanema. “Só que a cidade tinha absorvido esse costume e fazia uma festa com isso. Ia todo mundo atrás. Era uma grande festa pra cidade. Isso acabou por impressionar os nossos amigos, que estavam lá, particularmente o meu irmão.” O irmão do Cláudio é o Albino Pinheiro, que estava nesse carnaval de Minas. Ele foi o grande realizador de incontáveis festas populares, shows e bailes no Rio. E levou o samba dos subúrbios pra zona Sul. Com a inspiração dos pseudo-músicos de Ubá e outras ideias na cabeça, o grupo de amigos decidiu colocar a mão na massa. “A Banda de Ipanema surgiu assim como ideia e tudo desde 1959, como raiz da memória do espaço, e começou a ser concretizada em Janeiro. Para valer mesmo em Janeiro de 65. E nós nos reunimos ali na Rua Jangadeiros, no apartamento de dois amigos fundadores, o também: Glaudir e o Hugo Bidet. E começamos a relacionar os amigos que poderiam participar da primeira saída da Banda de Ipanema. Que nunca tinha saído. Estava em fase de pré-organização ou pré-desorganização, depende. A escalação inicial tinha Albino e Cláudio Pinheiro, Ferdy Carneiro, o publicitário José Ruy Dutra e os cartunistas Jaguar e Ziraldo, entre dezenas de outros nomes – mas possivelmente nenhum músico. “Alguns não puderam, por mil razões. E foi assim que começou. Eram 30 e poucos aqui, saindo do Jangadeiros vieram pra cá.” Saíram da Rua dos Jangadeiros e foram para a Praça General Osório, de onde a banda tradicionalmente passou a sair, e onde também a gente conversou com o Cláudio. Naquela época, primeiro carnaval no Brasil no regime militar, era proibido juntar mais de 50 pessoas num lugar público. Só a Banda começou com 30 membros. E o primeiro cortejo levou dez mil foliões pelas ruas do Rio. “Isso aconteceu nesse momento tão peculiar que fez com que a Banda Ipanema fosse muitas vezes confundida com um protesto contra a ditadura. Tinha também, mas não foi por isso que ela apareceu.” Desde o primeiro ano, eles abrem o desfile levando uma faixa em que está escrito “Yolhesman Crisbeles”. “Yolhesman Crisbeles, já ouviu falar? Yolhesman Crisbeles” Um lema misterioso que deixava confuso o antigo Serviço Nacional de Informações da ditadura. Os agentes não sabiam exatamente o que significava, mas tinham certeza do potencial subversivo daquilo. “Acharam que era uma mensagem sub-reptícia para derrubar a ditadura. Antes fosse, era uma brincadeira inspirada no que foi ouvido de um cidadão messiânico fazendo discurso na Central do Brasil. Tinha nada a ver com nada.” Outra história que corre entre os membros mais antigos é que duas agentes do Serviço Nacional de Informação chegaram a se infiltrar no desfile da banda disfarçadas de senhoras da terceira idade. O objetivo delas era descobrir os códigos subversivos do carnaval. “A Banda passou por esses momentos todos que hoje teriam outro tipo de tratamento. Mas foram marcantes para nós. E a banda nunca recuou de suas características fundamentais, de liberdade pessoal, de igualdade, de aceitar todo tipo de pessoa. Só espero que a gente tenha uma parede pra fascista. Isso aí eu não quero não. Se depender de mim. Mas independente de cor, religião, raça, entra todo mundo. Sempre foi. É uma característica fundamental da Banda de Ipanema.” O encontro da boemia intelectual da zona Sul com o espírito dos blocos carnavalescos do subúrbio foi explosivo. O desfile se agigantou, e logo deu filhotes: Banda do Leme, Banda da Tijuca… a moda pegou inclusive em outros estados. Nesses quase 60 anos de festa, a única interrupção foi durante a pandemia. Faça chuva ou faça sol, a banda sai 15 dias antes do carnaval, abrindo alas pra folia carioca e levando milhares de pessoas pras ruas. Cada edição tem um nome ligado às artes ou à cultura popular. Já foram lembrados Bibi Ferreira, Clara Nunes, Grande Otelo, Nelson Cavaquinho e até Oscar Niemeyer. Muitos inclusive desfilaram com a Banda. A primeira musa permanece a mesma, pra sempre única: a atriz Leila Diniz. São muitas as anedotas contadas sobre os desfiles: casais que começaram sua história de amor ali, divorciados que decidiram reatar, de tão animados pela festa; crianças e jovens que participam desde novos – e que, hoje, levam seus filhos e netos no mesmo ponto de encontro. Em 2004, a Prefeitura do Rio decidiu tombar a Banda de Ipanema. O primeiro bem imaterial registrado na cidade. A Banda de Ipanema sobreviveu à ditadura e à perda de uns dos seus maiores entusiastas, como o presidente Albino Pinheiro e o fundador José Ruy Dutra. Mas como escreveu o jornalista Fausto Wolff, um dos pioneiros do desfile, ela continuará – enquanto houver música e povo, a Banda continuará.
Faça chuva ou faça sol,
a banda sai 15 dias antes
do carnaval, abrindo alas
pra folia carioca
Nem mais tão hippie, a feira de Ipanema
Todo domingo tem a Feira Hippie de Ipanema. A Praça General Osório fica tomada por barraquinhas cheias de artesanato de todas as formas e para todos os gostos. Tem esculturas, roupas e bijuterias. Peças em madeira, objetos com conchas, raízes, sementes. Peças em couro, redes, tapetes, e até acarajé. E, em volta do Chafariz das Saracuras, pintores se organizam numa galeria de arte ao ar livre. O pessoal tá sempre aberto a contar um pouco mais sobre seus trabalhos e inspirações. E com sorte de vez em quando você encontra alguém criando lá mesmo. Já são mais de 50 anos que o Rio de Janeiro não vive sem a Feira hippie – um ponto turístico e também uma tradição entre moradores. E, se hoje ela é patrimônio da cidade, é porque resistiu a várias investidas para que a Feira acabasse. “Meus pais se conheceram aqui, nessa praça, né, quando começou a feira.” Essa é a Camila Gilek. "Quem eu sou? Eu sou filha da feira.” A Camila trabalha como brinquedista e expõe aos domingos em Ipanema. “Minha mãe, minha tia, meu tio foram os primeiros menores de idade a terem licença para trabalhar aqui como artesãos” Refazer o percurso original da Feira Hippie é um desafio, porque essa história envolve muita gente, de várias gerações diferentes. Mas tem alguns 'mitos originais' mais aceitos. O mais conhecido deles começa num bar em Ipanema. No fim dos anos 60 o bairro vivia uma fase de muita excitação e criatividade, cheio de boêmios, artistas e intelectuais. Dizem que, num sábado de sol, no bar Jangadeiro, o artista Hugo Bidet estava lá com os amigos sem um tostão no bolso e doido para tomar um chope. Olhou pra feirinha de livros que acontecia na Praça General Osório e teve uma ideia. Como morava perto, ele correu em casa para buscar cinco desenhos eróticos que tinha na gaveta. Pendurou nas barracas da feira e ficou esperando a clientela… Ele conseguiu vender os trabalhos rapidinho, e conseguiu o almejado porre… e ainda deu origem à nova feira no Rio: a Feira Hippie de Ipanema. Duas semanas depois, já tinha mais de 20 expositores. O cara criou tendência. Nessa versão da história, os hippies chegaram depois e batizaram o evento porque eram maioria. Mas tem quem reivindique que a feira nasceu, sim, dentro do movimento... O Brasil vivia sob a repressão brutal da ditadura nos anos 70. E a Feira hippie logo virou um símbolo importante de contestação e contracultura naquela época no Rio. Ainda assim, a identidade hippie foi muito rechaçada, não só fora como dentro da Praça. Alguns dos próprios artesãos queriam se desvincular do estigma de preguiçoso e bagunceiro associado aos hippies... A Feira viveu muitas disputas ao longo da sua história. E talvez a maior delas seja a própria luta para sobreviver. Foram muitos anos de atritos com moradores e com o próprio poder público. “Não tinha documentação para os expositores trabalharem aqui. É como se fosse hoje, é, as pessoas que são camelô, na rua, botando as coisas para trabalhar e a Prefeitura vem e manda tirar. No caso era a polícia, mandava todo mundo sair daqui. Eu era pequenininho, eu assistia isso com o meu pai.” Esse é o Jorge Arthur, artesão que cria pulseiras feitas com palha. Na feira, tem gente que conhece o Jorge por Alexandre Bahia, que é o nome da barraca dele. Uma homenagem ao pai, que foi fundador do evento e lutou para manter ele em pé. “Eu via muito eles levarem as coisas do meu pai, como do meu pai e dos outros colegas do meu pai, artesão também. O tempo foi passando... passando, passando... E, passou a ser regularizado com a Prefeitura e o Governo do Estado.” Em 2011, a Feira foi reconhecida como um Patrimônio Imaterial da Cidade. Um desfecho feliz para uma história de luta coletiva para evitar a remoção ou até a realocação da Feira. As peças vendidas ali têm uma capacidade de materializar memórias do Rio e do Brasil. Muitas são feitas de matérias primas brasileiras ou retratam paisagens e manifestações culturais daqui. Pros turistas, os objetos acabam virando testemunhos da viagem, das experiências vividas no Rio. Com o passar dos anos, o público só aumentou. Mais compradores, mais comerciantes. Novos conflitos apareceram, e também uma nova identidade. A tradição da produção artesanal agora disputa espaço com chaveirinhos, imãs, pratos decorativos, camisetas feitas em massa e outros souvenirs industrializados que podem ser encontrados em qualquer canto do Rio. Alguns artesãos e artistas se queixam de que a feira está se descaracterizando. Mas quem circula pelos corredores abarrotados da Feira percebe que a identidade dela não está só condensada nos objetos. “Hoje, o mais curioso é que, mesmo sem eu ter contado essa parte para as minhas filhas, eu já peguei elas vivenciando as mesmas coisas, sabe? Se sentindo adulta para poder circular na praça sozinha e escolher coisas para comprar... indicar o caminho para outras pessoas que não sabem onde tem a barraca de que tem o material tal... eu circulava, eu fazia quase um guia turístico aqui com os gringos, né? Super segura, porque todos sabiam quem eu era, né, tava todo mundo cuidando de mim, então eu podia circular tranquilamente. E eu vejo as minhas filhas fazendo isso hoje. Então as minhas recordações, hoje elas são alimentadas de ver minhas filhas fazendo isso.” Ou seja: assim como para a família da Camila, a memória desse espaço, desse evento cultural, permanece viva no cotidiano e nas histórias dos artesãos. É a memória de uma comunidade, constituída por quem faz e frequenta a Feira Hippie de Ipanema, de geração em geração.
Nem mais tão hippie, a feira de Ipanema
Todo domingo tem a Feira Hippie de Ipanema. A Praça General Osório fica tomada por barraquinhas cheias de artesanato de todas as formas e para todos os gostos. Tem esculturas, roupas e bijuterias. Peças em madeira, objetos com conchas, raízes, sementes. Peças em couro, redes, tapetes, e até acarajé. E, em volta do Chafariz das Saracuras, pintores se organizam numa galeria de arte ao ar livre. O pessoal tá sempre aberto a contar um pouco mais sobre seus trabalhos e inspirações. E com sorte de vez em quando você encontra alguém criando lá mesmo. Já são mais de 50 anos que o Rio de Janeiro não vive sem a Feira hippie – um ponto turístico e também uma tradição entre moradores. E, se hoje ela é patrimônio da cidade, é porque resistiu a várias investidas para que a Feira acabasse. “Meus pais se conheceram aqui, nessa praça, né, quando começou a feira.” Essa é a Camila Gilek. "Quem eu sou? Eu sou filha da feira.” A Camila trabalha como brinquedista e expõe aos domingos em Ipanema. “Minha mãe, minha tia, meu tio foram os primeiros menores de idade a terem licença para trabalhar aqui como artesãos” Refazer o percurso original da Feira Hippie é um desafio, porque essa história envolve muita gente, de várias gerações diferentes. Mas tem alguns 'mitos originais' mais aceitos. O mais conhecido deles começa num bar em Ipanema. No fim dos anos 60 o bairro vivia uma fase de muita excitação e criatividade, cheio de boêmios, artistas e intelectuais. Dizem que, num sábado de sol, no bar Jangadeiro, o artista Hugo Bidet estava lá com os amigos sem um tostão no bolso e doido para tomar um chope. Olhou pra feirinha de livros que acontecia na Praça General Osório e teve uma ideia. Como morava perto, ele correu em casa para buscar cinco desenhos eróticos que tinha na gaveta. Pendurou nas barracas da feira e ficou esperando a clientela… Ele conseguiu vender os trabalhos rapidinho, e conseguiu o almejado porre… e ainda deu origem à nova feira no Rio: a Feira Hippie de Ipanema. Duas semanas depois, já tinha mais de 20 expositores. O cara criou tendência. Nessa versão da história, os hippies chegaram depois e batizaram o evento porque eram maioria. Mas tem quem reivindique que a feira nasceu, sim, dentro do movimento... O Brasil vivia sob a repressão brutal da ditadura nos anos 70. E a Feira hippie logo virou um símbolo importante de contestação e contracultura naquela época no Rio. Ainda assim, a identidade hippie foi muito rechaçada, não só fora como dentro da Praça. Alguns dos próprios artesãos queriam se desvincular do estigma de preguiçoso e bagunceiro associado aos hippies... A Feira viveu muitas disputas ao longo da sua história. E talvez a maior delas seja a própria luta para sobreviver. Foram muitos anos de atritos com moradores e com o próprio poder público. “Não tinha documentação para os expositores trabalharem aqui. É como se fosse hoje, é, as pessoas que são camelô, na rua, botando as coisas para trabalhar e a Prefeitura vem e manda tirar. No caso era a polícia, mandava todo mundo sair daqui. Eu era pequenininho, eu assistia isso com o meu pai.” Esse é o Jorge Arthur, artesão que cria pulseiras feitas com palha. Na feira, tem gente que conhece o Jorge por Alexandre Bahia, que é o nome da barraca dele. Uma homenagem ao pai, que foi fundador do evento e lutou para manter ele em pé. “Eu via muito eles levarem as coisas do meu pai, como do meu pai e dos outros colegas do meu pai, artesão também. O tempo foi passando... passando, passando... E, passou a ser regularizado com a Prefeitura e o Governo do Estado.” Em 2011, a Feira foi reconhecida como um Patrimônio Imaterial da Cidade. Um desfecho feliz para uma história de luta coletiva para evitar a remoção ou até a realocação da Feira. As peças vendidas ali têm uma capacidade de materializar memórias do Rio e do Brasil. Muitas são feitas de matérias primas brasileiras ou retratam paisagens e manifestações culturais daqui. Pros turistas, os objetos acabam virando testemunhos da viagem, das experiências vividas no Rio. Com o passar dos anos, o público só aumentou. Mais compradores, mais comerciantes. Novos conflitos apareceram, e também uma nova identidade. A tradição da produção artesanal agora disputa espaço com chaveirinhos, imãs, pratos decorativos, camisetas feitas em massa e outros souvenirs industrializados que podem ser encontrados em qualquer canto do Rio. Alguns artesãos e artistas se queixam de que a feira está se descaracterizando. Mas quem circula pelos corredores abarrotados da Feira percebe que a identidade dela não está só condensada nos objetos. “Hoje, o mais curioso é que, mesmo sem eu ter contado essa parte para as minhas filhas, eu já peguei elas vivenciando as mesmas coisas, sabe? Se sentindo adulta para poder circular na praça sozinha e escolher coisas para comprar... indicar o caminho para outras pessoas que não sabem onde tem a barraca de que tem o material tal... eu circulava, eu fazia quase um guia turístico aqui com os gringos, né? Super segura, porque todos sabiam quem eu era, né, tava todo mundo cuidando de mim, então eu podia circular tranquilamente. E eu vejo as minhas filhas fazendo isso hoje. Então as minhas recordações, hoje elas são alimentadas de ver minhas filhas fazendo isso.” Ou seja: assim como para a família da Camila, a memória desse espaço, desse evento cultural, permanece viva no cotidiano e nas histórias dos artesãos. É a memória de uma comunidade, constituída por quem faz e frequenta a Feira Hippie de Ipanema, de geração em geração.
Quem eu sou?
Eu sou filha da feira.
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